Na primeira década da República Velha iniciaram-se de modo efetivo as relações entre o Brasil e o Japão. Apesar de diferentes viajantes japoneses terem permanecido por pouco tempo em terras brasileiras no começo do século XIX, foi somente a partir das estadas no país na década de 1890 de Wasaburo Otake e Tadashi Nemoto e de suas ações ao retornarem ao Japão, bem como pela assinatura do “Tratado de Amizade, de Comercio e de Navegação” em 1895, que se iniciou a real aproximação entre os dois países.

Daqueles anos até os dias atuais as histórias destes dois países se cruzaram em diferentes momentos, sendo os mais marcantes a numerosa migração de japoneses para o Brasil nas primeiras décadas do século XX e a inversão deste fluxo migratório com brasileiros indo trabalhar no Japão nas décadas de 1980 e 1990.

Dos frequentes encontros destas duas culturas nasceu um numeroso grupo de pessoas que mescla em seu modo de viver e de ver o mundo as riquezas e particularidades destas duas terras. Dentro deste fascinante novo conjunto social encontra-se um percentual de pessoas sensíveis que há muito ofertam reflexões sobre este modo de existir por meio de cores, imagens e palavras. Desde a chegada dos primeiros imigrantes japoneses ao Brasil até os dias de hoje é possível reconhecer pelo menos três gerações de artistas nipo-brasileiros que, de formas particulares, expressam questões inerentes àqueles que vivem entre duas tradições culturais distintas. 

Com obras figurativas ou abstratas alguns destes artistas figuram entre os mais significativos da arte brasileira. No Paraná, particularmente em sua capital, um grupo de artistas nikkei da mais recente geração tem se destacado além das fronteiras geográficas dos dois países dos quais descendem pela qualidade do trabalho e pelos meios que utilizam para dar forma às suas ideias. Nem todos naturais ou residentes atualmente no Paraná, estes artistas mantém uma ligação particular, afetiva, com o estado e guardam o interesse de que suas obras sejam apreciadas por aqueles que aqui vivem. Com intuito de apresentar a mais recente produção de 12 destes criadores foi organizada esta mostra, a qual celebra, acima de tudo, a amizade entre povos e gerações de artistas. Em desenho, pintura, fotografia, instalação, poesia ou cerâmica estes artistas ofertam à apreciação suas ponderações sobre o universo de coisas, situações e sentimentos que permeiam aqueles que vivem o contexto contemporâneo.

Erica Kaminishi e Elisa Gunzi são artistas do detalhe que trabalham com escritas e grafismos. Erica há algum tempo não mais reside no país, mas mantém uma forte relação de amizade com alguns artistas locais. Ela é uma jovem e respeitada artista cujas obras em duas ou três dimensões convidam a um diálogo intimista mesmo quando atingem grandes proporções. São escritas e grafismos que convidam à aproximação. Elisa Gunzi, tal qual Érica, trabalha com formas orgânicas, mas, ao contrário daquela, brinca com as regras da gravidade e da exposição de trabalhos artísticos. Todo lugar é perfeito para as formas que cria aparecerem. Mesmo que algumas vezes se valha de recursos gráficos tradicionais Elisa os subverte, ampliando as possibilidades de representação destes.

Uma das artistas mais experientes desta mostra é Akiko Miléo, que atua como profissional das artes há cerca de 20 anos. Akiko é uma exímia aquarelista, que em suas obras em pintura, mesmo quando usa tinta a óleo ou acrílica sobre tela, trabalha com a relação entre os traços fortes e a delicadeza das transparências. Numa aparente oposição a ela encontra-se Noemi Tamura, a mais jovem dos artistas expositores. Aparente oposição porque ambas possuem uma atração pelo diáfano, por uma transparência que retém certa solidez, totalidade, mesmo que se valendo de formas abertas. Entretanto, Noemi volta sua atenção para o humano, o existencial, enquanto Akiko observa o inanimado. Já em real e interessante oposição aos trabalhos de Akiko e Noemi estão os de Julia Ishida. Ricas em volume e camadas pictóricas as pinturas e os desenhos de Julia abordam os encontros entre o rígido e estático com o fluido e ativo. Artista experiente e de olhar aguçado, ela além de apresentar alguns de seus trabalhos nesta mostra é responsável pela curadoria desta e pelo feliz encontro das obras agora em exposição.

Sandra Hiromoto artista visual de vasta produção tanto em pintura como na área gráfica - e que assina o design desta mostra -, apresenta alguns de seus mais recentes trabalhos nos quais resignifica recorrentes representações bidimensionais da realidade tridimensional na qual vivemos. As obras de grandes proporções de Sandra são uma oferta a um mergulho num mundo gráfico, onde imagens, texturas, letras e cores se harmonizam de modo inusitado.

Rute Yumi, como Sandra Hiromoto, é uma pintora que possui contato próximo com o universo gráfico. Residente em Ponta Grossa e atuante profissionalmente desde a década de 1990, ela é autora de obras gestuais e de ilustrações presentes em publicações de diferentes naturezas.

Claudine Watanabe é uma artista visual dedicada à fotografia e a cerâmica que nesta mostra apresenta alguns de seus mais recentes registros fotográficos. Detentora de um olhar atento para os diálogos da luz com os mais diferentes elementos naturais e artificiais existentes no mundo, Claudine ao captar imagens da cidade, de suas construções ou habitantes demonstra uma rica atenção ao ponto de vista que a coloca acima dos preciosismos técnicos aos quais ficam limitados muitos que se dedicam a esta arte.

Afeita à delicadeza das formas, das experiências sensoriais e dos gestos Mai Fujimoto concebe trabalhos em arte vivencial, bem como com os registros estáticos ou em movimento destes. Nesta exposição ela apresenta um trabalho de instalação concebido em conjunto com a escritora Marilia Kubota no qual percepções existenciais desta última são transformadas numa poesia visual.

Celso Setogutte e Eliza Maruyama são os autores dos trabalhos em volume presentes na exposição. Ambos são dedicados pesquisadores das possibilidades criativas em cerâmica, mas cada um possui interesses visuais particulares. Celso trabalha com simplificações formais que tendem para o movimento da linha no espaço e para as impossibilidades físicas da construção no mundo real dos raciocínios espaciais tranquilamente possíveis no mundo da representação bidimensional. A riqueza de seus trabalhos reside na busca de dar vida ao tido como impossível e na quase tangência das partes que conceitualmente ainda podem definir um ponto de encontro. Por seu lado, Eliza, também interessada pela representação do movimento da linha, busca ofertar a percepção e compreensão deste pela acumulação, pelo agregar e pela repetição formal. Ao simplificar formas e movimentos encontrados na natureza de modo que ainda seja possível  dentificar os elementos originais, Eliza nos coloca de modo delicado e lúdico no lugar entre o reconhecimento e a imaginação.

Por fim, como se pode perceber esta é uma exposição que celebra quão interessante e rico pode ser o encontro de diferentes identidades. Artistas de concepções, gerações, estilos e técnicas diferentes que valorizam suas particularidades, mas que usam o que possuem em comum para gerarem uma conversa rica e salutar, na qual a diferença é vista como algo interessante porque possibilita o conhecimento e a troca.

 

 

Rosemeire Odahara Graça

 

Crítica de Arte